terça-feira, 30 de setembro de 2008

Quem tem medo de grampo?

Por Tancredo Junior - 13/09/08

O recente episódio envolvendo as escutas telefônicas de diálogos entre o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, e o senador Demóstenes Torres – supostamente feitas pela ABIN – causou um mal estar generalizado em Brasília, principalmente entre os congressistas, políticos do alto escalão, magistrados e ministros de Estado. Pelo jeito, a ferida ainda está aberta. Até mesmo o presidente Lula – que agora teme pela segurança de sua família – acha que seus filhos estão sendo “investigados”, não se sabe por quem.
O temor é de que a intimidade alheia esteja em perigo evidente, e as conversas telefônicas deixem de ser privadas - se é que já não é assim, há tempos.
Se, de fato, algum “araponga” particular ou vinculado a uma instituição governamental fez os grampos, resta saber a mando e interesse de quem.
O evocativo do direito à privacidade embasa-se na garantia constitucional de que esse tipo de procedimento – o grampo telefônico – só pode ser realizado mediante autorização judicial, quando solicitado pelo órgão responsável pela investigação – no caso a polícia, e quando há indícios evidentes contra o investigado.
Se não forem obedecidas essas regras básicas, comete-se um grave incidente de segurança, punível com pena de reclusão.

Preocupação ou exagero?
Apesar de concordar com o ministro Gilmar Mendes, que defende a apuração veemente do caso, compreendo, porém, que quando se afirma que “qualquer cidadão está sujeito a ter suas conversas telefônicas gravadas e monitoradas ilegalmente”, me pergunto se realmente tenho alguma coisa a temer em meus diálogos no celular ou telefone fixo no dia-a-dia.
É, na verdade, um certo exagero afirmar que todos podemos, um dia, ser vítimas desse tipo de violação. Ora, o que podemos temer, eu e você, caro leitor, simples mortais, viris trabalhadores desse Brasil, que labutam a lida diária e honestamente? Nada!
É sabido que pessoas que lidam no jogo do poder político podem estar sujeitos a investigações, legais ou não, devido aos cargos e influência que exercem. Não obstante, sabemos, por exemplo, que a espionagem industrial existe, de fato, e utiliza-se de meios parecidos ou mais complexos. Isso já aconteceu antes. Lembram-se do caso de espionagem envolvendo a Kroll? E o episódio da quebra do sigilo bancário do caseiro, que derrubou o ministro Palocci?
Suspeita-se que tais práticas são heranças da ditadura, que utilizava os serviços do antigo SNI, sem escrúpulos ou regras, para grampear conversas de políticos, empresários, juízes e líderes de movimentos pró-democracia.
Esse é mais um fato isolado, ligado aos meandros do poder. Não há o menor nexo essa temeridade nacional.

Quem não deve não teme
Se meu telefone fosse grampeado, provavelmente não aconteceria esse estardalhaço todo. O caso passaria batido, provavelmente.
Mas essa repercussão toda é por causa de gente importante, é obvio. Logo se faz necessário descobrir os culpados com certa urgência.
Claro que não posso concordar e achar normal que pessoas – influentes ou não – tenham seus telefones grampeados. Isso é crime e precisa ser punido. Mas daí achar que, enquanto cidadão comum, um dia eu venha a ser vítima desse tipo de bisbilhotice, é uma neurose absurda. Sem falar que as chances disso acontecer são de uma em 170 milhões. Seria a mesma probabilidade de ganhar, sozinho, na megasena acumulada. Entre as duas, prefiro apostar na segunda, apesar de não ser adepto de jogos de azar.
O velho ditado popular “quem não deve, não teme”, é a única garantia que temos diante de uma possível investigação, clandestina ou legal. Se não tenho nada a esconder, então não preciso ter medo de falar ao telefone com meus amigos, colegas, parentes ou clientes.
Não estou fazendo apologia à espionagem, muito pelo contrário. Reafirmo veementemente que tal prática feita de forma ilegal precisa ser denunciada e expurgada.
O que não se pode é permitir que uma aura de insegurança institucional paire no ar, criando a sensação de que há um “poder paralelo” ao Estado democrático e de direito, espionando os cidadãos acima de qualquer suspeita, transformando-os em possíveis “inimigos do Estado”. É isso o que querem nos fazer crer alguns membros do poder público, quando concedem entrevistas insinuando que há um certo “grupo dos treze”, composto por sabe-se lá quem, formado com o objetivo de chantegear gente importante. É a nova teoria da conspiração “made in Brazil”. Mas teorias precisam ser provadas.

A imprensa requenta pautas de gaveta
E a imprensa, que requenta pautas de gaveta, insinuando o total descontrole do Governo sobre instituições que lhe são subordinadas, divulga fatos sem nem mesmo fazer a checagem das fontes. Dessa forma, corre-se o risco de transformar a Polícia Federal – pelo menos até agora tida como um órgão exemplar – em uma rede de intrigas a serviço de grupos paralelos, que poderia estar envolvida no episódio do grampo. Aliás, matérias de citam até o suposto motivo: o próprio Gilmar Mendes, que jogou um balde de água fria na PF, quando limitou o uso das algemas, depois do episódio da prisão do banqueiro Daniel Dantas. “Pra quê algemar um cidadão se ele não oferece perigo?”. A sentença do ministro deixou subentendido que “cidadão” é apenas gente de grana, esse pessoal envolvido com desvio de dinheiro público, aqueles crimes do “colarinho branco”. Por isso, a cúpula da PF e da ABIN teriam se unido para pegar o magistrado no pulo. “Não há melhor motivo pra grampear o ministro”, denuncia o lead da imprensa marrom, que investiga os fatos, julga e condena antecipadamente.

Roteiro de filme de Hollywood
Bem verdade que se ao invés de Dantas fosse preso um ladrãozinho pé-de-chinelo, que rouba um pacote de bolacha no supermercado, este poderia ter sido exposto à execração pública e midiática, algemado e descamisado, quase nu e só de cuecas, sem o menor pudor, mas sem a interferência do STF em seu favor. Para Mendes, sua decisão foi tomada pensando em “resguardar os direitos de todos os cidadãos brasileiros”. Será? Tenho minhas dúvidas.
Essa história do grampo do ministro e do senador é um caso complicado e cheio de mistério que dificilmente se chegará aos verdadeiros culpados. Poderá até surgir um bode expiatório, um “boi de piranha”, só pra acalmar os ânimos. Parece até roteiro de filme hollywoodiano: temos um elenco de primeira, uma trama emocionante e um final que promete ser surpreendente. A diferença é que nos filmes de Hollywood o mocinho sempre vence. Já nesse episódio “brasiliwoodiano” pode ser que no final o mocinho seja o bandido.
Ou será o contrário? Sathiagraha já diz tudo.
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