sexta-feira, 9 de maio de 2008

Baixo QI ou boicote, meu rei?

Artigo do Tan
Baixo QI ou boicote, meu rei?

Por Tancredo Junior - 05/05/08

Depois dos cursos de direito e pedagogia, agora o Ministério da Educação decidiu supervisionar 17 cursos de medicina, todos com notas abaixo da média no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), que avalia o conhecimento dos alunos, e no IDD (Indicador de Diferença de Desempenho), que compara o desempenho de calouros e formandos e mede o quanto o aluno absorveu de conhecimento na universidade.
De início, o MEC irá apenas notificar os cursos mal classificados - que terão, por sua vez, uma chance de tentar explicar o fracasso no exame -, e logo depois poderá tomar medidas punitivas, dentre elas cortar a oferta de vagas ou proibir que novos vestibulares sejam realizados.
Há duas notícias que sutilmente ecoam dessa avaliação: uma boa e outra péssima. A boa, é que o MEC demonstra que está de olho nas instituições superiores que não se adequam à qualidade de ensino. E a péssima, é que das 17 universidades listadas no ranking das “piores”, quatro são federais. São elas: UFAL (Universidade Federal de Alagoas), UFPA (Universidade Federal do Pará), UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e UFBA (Universidade Federal da Bahia). Das quatro federais, a UFBA é uma das mais conceituadas, e detém o privilégio de ter criado o primeiro curso de medicina do país, em 1808.
Para o secretário de Educação Superior do MEC, Ronaldo Mota, “pode ter havido boicote dos estudantes ao exame”. Se houve, foi burrice dos alunos. Simplesmente, jogaram lama em si mesmos e marcaram um gol contra o próprio time. AFinal, é o diploma deles que está em jogo. Tudo bem que o brasileiro tem memória curta, e esse episódio logo será esquecido pela maioria. Mas pode ser que isso cause prejuízo a curto prazo para os recém formados. Quem vai querer contratar um médico formado na UFBA, sabendo que a instituição recebeu o selo “de baixa qualidade acadêmica”?
A explicação mais absurda para o vexame partiu de Antônio Dantas, coordenador do curso de medicina da UFBA. “O baiano toca berimbau porque só tem uma corda. Se tivesse mais [cordas], não conseguiria”. Pronto. A celeuma foi criada e o bá-fá-fá eclodiu, principalmente, entre os baianos. Para Dantas, não houve boicote. A culpa é da lerdeza mental, típica de quem é nascido na terrinha, salvo algumas exceções. Em suas palavras, o problema está no “baixo QI (quociente de inteligência) dos baianos”. E tal lentidão cerebral seria um fator hereditário, facilmente comprovado por quem convive com o pessoal da terra do acarajé e do carnaval.
Se for hereditário, o baixo QI dos baianos não seria constatado apenas nos estudantes da UFBA, mas em todos: alunos, professores, coordenadores de curso e reitores, extensível para os não-acadêmicos, também. É a lógica mais sensata, se partirmos do pressuposto de que o pensamento de Dantas está correto. Ele próprio estaria incluído nessa deficiência, afinal é baiano da gema.
Quem sabe, se houvesse um exame para avaliar o nível intelectual dos docentes da UFBA, incluindo no mesmo balaio de gato o próprio Dantas, não teríamos uma surpresa? O resultado poderia revelar que baixo QI não é uma dádiva exclusiva de estudantes e pessoas comuns, mas de gente que roga para si a sapiciência suprema. Fica registrada essa sugestão para o MEC: fazer um exame nacional para avaliar o conhecimento transmitido por professores de faculdades públicas e privadas. Seria um tira-teima intelectual. Quem é mais burro e tem menos QI? Alunos ou docentes?
Se o conceito 2 atribuído à UFBA no Enade e no IDD revelar, de fato, que houve boicote dos estudantes ao provão, estamos diante de duas prováveis causas: a obrigatoriedade de realizar o exame; e a discordância da maioria dos estudantes em relação às regras de classificação e avaliação das instituições. Conheço várias pessoas que fizeram a prova por pura obrigação, sem o menor compromisso em responder corretamente as questões, colocando em xeque o resultado final do exame, que é justamente a avaliação do conhecimento obtido pelo aluno em sua universidade. No fim, uma boa universidade pode ser execrada por causa da falta de comprometimento de seus alunos.
Para acabar com o boicote, ou mudam-se as regras classificatórias das instituições de ensino ou extingue-se, de uma vez por todas, a obrigatoriedade do exame. Sou a favor da segunda opção. Não significa que eu esteja defendendo as universidades federais, muito menos fazendo apologia ao boicote. Só não gosto de compartilhar desse tipo de obrigação que nos é imposta, passivamente. Somos obrigados a votar, apesar de vivermos em uma democracia. Quem não vota, não pode fazer isso ou aquilo, não pode tirar documentos ou prestar concursos, por exemplo. Quem não faz o Enade não recebe o diploma. Coisas desse tipo, que nos faz parecer uma republiqueta de araque.
Ainda em relação a UFBA, é importante ressaltar que a frase do senhor Antônio Dantas foi infeliz, mas inegavelmente carregada de um sarcasmo incomum. Uma brincadeira que ele quis fazer com aquele jeito “tranqüilo” de ser dos baianos. Além de tocar o berimbau, instrumento típico que dá a cadência das lutas nas rodas de capoeira, o baiano vive e transpira música, arte e cultura, sem falar naquela simpatia e alegria que lhe são peculiares. De lá vieram a inovação do trio elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar, o som contagiante da guitarra de Pepeu Gomes, a “axé music”, que revolocionou o mercado fonográfico nos anos 80, mesmo criticada pelos supostos defensores da boa música brasileira. Me lembro que nos anos 90, quando trabalhava em emissoras de rádio FM na Bahia, eu ficava injuriado com a profusão de música descartável que o pessoal de lá fabricava. Detestava o Luis Caldas e o Ricardo Chaves, e não entendia como eles faziam tanto sucesso nas rádios e programas de TV em todo Brasil.
Mas não é só de axé music que vive a Bahia. Ela nos deu a Tropicália de Gil, Caetano, Gal, Bethânia, Moraes Moreira e dos Novos Baianos. O rock tupiniquim de Raul Seixas. A irreverência de Tom Zé. A bossa nova de João Gilberto. As belas canções na voz firme de Dorival Caimmy. O rock contemporâneo de Pitty. No cinema, o imortal Glauber Rocha deixou sua marca. No direito, destacamos Anísio Teixeira, Gregório de Matos, Conselheiro Saraiva, Luís Gama. Na literatura, Castro Alves, Afrânio Peixoto, Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro. A Bahia também exportou diplomatas renomados, tais como Ruy Barbosa, Miguel Calmon, Domingos Borges de Barros. E artistas plásticos, como Calasans Neto e Mário Cravo.
Citamos apenas alguns baianos famosos. Há muitos outros. Pessoas que mudaram o seu tempo e se tornaram referência naquilo que faziam de melhor. Pelo histórico desses ilustres nascidos na Bahia, com certeza o resultado do Enade não tem nada a ver com questão de falta de inteligência. É apenas um deslize, um vacilo cometido por jovens estudantes de uma universidade pública conceituada, que decidem protestar contra as regras do MEC fazendo um boicote ao exame. Com isso, perderam uma boa oportunidade de honrar a tradição dos seus inteligentes conterrâneos. Vão carregar, pro resto da vida, o peso da decisão que tomaram, e serão sempre lembrados como os “alunos de baixo QI da UFBA”.
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Tancredo Junior, 35 anos, baiano de Feira de Santana, casado. Radialista e teólogo, atualmente é aluno do 5º semestre de Jornalismo, na UNIP, e sócio-diretor da empresa de comunicação Publicitarget Comunicação sem Limitees www.publicitarget.com.br

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